Pappel Amarelo terça-feira, 31 de julho de 2012


Robert Rauschenberg
lleana (Ruminations) 1999
Litogravura
QUEIMADURA

    Ao falar sobre o ocorrido, as tias cerram os olhos de pavor e arrepio, ai, só de imaginar a perninha do menino lascada pela água fervente ninguém aguenta.
A irmã escuta pela enésima vez a mesma história, as interjeições, a indignação e         depois de absorver todos os meudeusdocéucoitadinhoquepecado, se aninha queixosa no colo da avó.
Na varanda da casa, o relógio rumina indiferente ao infortúnio do menino, há um cachorro que late por aí e outro, ao pé da mesa, se refestela com os restos do almoço; uma gargalhada avulsa vindo do sobrado vizinho enquanto alguém ressona no sofá da sala.
Daqui a pouco será esquecido o fato, consumado o choro. A indignação abafada pelos dias que escorrem do calendário e avançam pelo chão da casa.
E as tias vão falar do acidente do menino como mais um assunto que disputa o interesse das conversas domingueiras.
Texto de Christiane Fenner

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